A rentabilização do setor imobiliário residencial – alternativas ao arrendamento e ao alojamento local

Para além do arrendamento e do alojamento local – modelos emergentes de rentabilização do setor imobiliário residencial

 

O mercado residencial em Portugal tem-se apoiado historicamente em dois modelos principais de rentabilização: o arrendamento habitacional tradicional e o alojamento local (AL). Contudo, as mudanças económicas, demográficas, tecnológicas e regulatórias têm impulsionado o aparecimento de novos formatos de exploração imobiliária. Estes modelos emergentes procuram responder a novas formas de viver, trabalhar e consumir habitação, e representam oportunidades relevantes para investidores, promotores e operadores, ao mesmo tempo que levantam novos desafios de enquadramento jurídico e operacional.

O objetivo deste texto é identificar e caracterizar esses modelos, analisar os fatores que os impulsionam e refletir sobre os impactos que poderão ter no mercado residencial e nas políticas públicas de habitação.

O arrendamento tradicional continua a ser um pilar essencial do mercado habitacional, mas enfrenta desafios significativos: escassez de oferta nas zonas urbanas, aumento das rendas, e uma instabilidade legislativa que desencoraja muitos proprietários a disponibilizarem imóveis. Já o alojamento local, que conheceu uma expansão sem precedentes com o crescimento do turismo, tem vindo a ser fortemente regulado e limitado em várias cidades, levando à procura de alternativas por parte dos investidores.

Face a este cenário, emerge uma nova geração de modelos residenciais que prometem diversificar a oferta e adaptar-se à realidade contemporânea. O envelhecimento da população, a mobilidade profissional, o aumento do trabalho remoto e a procura por soluções habitacionais mais flexíveis estão a alterar profundamente a forma como se habita e se investe.

Entre os fatores que explicam o crescimento destes novos modelos estão a dificuldade de acesso à habitação tradicional (compra ou arrendamento), o aumento dos custos de construção, a necessidade de otimizar ativos imobiliários já existentes e a profissionalização crescente da gestão imobiliária. Além disso, a tecnologia e os serviços associados à habitação — como manutenção, limpeza, coworking, áreas comuns e contratos digitais — têm facilitado o aparecimento de novas soluções.

Modelos emergentes de rentabilização residencial
1. Build-to-Rent (BtR) – Construção para arrendamento
O modelo Build-to-Rent consiste no desenvolvimento de edifícios ou conjuntos residenciais especificamente concebidos para permanecerem em arrendamento de média ou longa duração, em vez de serem vendidos após a construção. A principal vantagem está na geração de rendimento estável e previsível ao longo do tempo, tornando-se atrativo para investidores institucionais e fundos que privilegiam fluxos de caixa regulares.

As oportunidades deste modelo passam pela resposta à escassez de oferta no mercado de arrendamento e pela possibilidade de profissionalizar a gestão habitacional. No entanto, em Portugal, o BtR ainda é incipiente. A sua viabilidade depende fortemente de estabilidade regulatória, incentivos fiscais e mecanismos de financiamento ajustados ao perfil de investimento de longo prazo. O rendimento por metro quadrado tende a ser inferior ao da venda imediata ou do alojamento local, exigindo escala e localização privilegiada para garantir rentabilidade.

2. Flex-Living / Habitação com serviços
O Flex-Living é um conceito que combina habitação com serviços integrados e contratos flexíveis. Trata-se de uma solução que oferece ao residente limpeza, manutenção, coworking, ginásio e outros serviços incluídos, permitindo uma vivência mais leve e adaptada a estilos de vida móveis e urbanos.

Este modelo é particularmente atrativo para jovens profissionais, expatriados, nómadas digitais e freelancers. Para o investidor, o Flex-Living representa uma oportunidade de obter rendimentos superiores através da oferta de serviços e da flexibilidade contratual. Por outro lado, exige maior capacidade de gestão, custos operacionais mais elevados e taxas de ocupação estáveis para ser financeiramente viável. Em Portugal, o mercado está numa fase embrionária, mas tende a crescer à medida que a procura por soluções de habitação flexível aumenta.

3. Co-living – Habitação partilhada com serviços e comunidade
O Co-living baseia-se na partilha de habitação entre vários residentes que dispõem de áreas privadas (quartos ou pequenos estúdios) e zonas comuns como cozinhas, salas de estar, coworking e ginásios. Este modelo procura conciliar a privacidade com o sentido de comunidade e reduz o custo individual da habitação.

Para os promotores e investidores, o Co-living permite maximizar o rendimento por metro quadrado e otimizar edifícios de menor dimensão ou desatualizados. É uma opção interessante em zonas urbanas de elevada procura. Os desafios incluem a necessidade de gestão profissional, a manutenção da qualidade dos serviços e a definição clara do enquadramento jurídico — que nem sempre se enquadra facilmente nas regras do arrendamento habitacional tradicional. Além disso, o sucesso depende fortemente do perfil dos residentes e da taxa de ocupação.

4. Senior Living / Mixed Housing
Com o envelhecimento da população, surgem também modelos focados em habitação sénior, que combinam independência com serviços de apoio, segurança e socialização. O Senior Living — ou residências para seniores — pode assumir várias formas: desde condomínios com serviços básicos até comunidades com assistência médica e social.
A rentabilização deste segmento assenta numa procura crescente e mais estável, menos exposta à volatilidade do turismo ou das tendências de curto prazo. Paralelamente, o conceito de “mixed housing” — empreendimentos que combinam diferentes faixas de rendimento ou tipos de habitação (por exemplo, arrendamento acessível e habitação livre) — tem ganho força, sendo valorizado por políticas públicas e investidores com foco ESG (ambiental, social e de governança).
Os desafios destes modelos prendem-se com a necessidade de escala, especialização na prestação de serviços e um enquadramento regulatório claro, especialmente quando há serviços de saúde envolvidos.
Impactos para os diversos intervenientes
Para os investidores e proprietários, estes modelos representam uma oportunidade de diversificação de risco e de fontes de rendimento, reduzindo a dependência dos ciclos de mercado da venda ou do turismo. Contudo, implicam maior profissionalização da gestão, planeamento de longo prazo e maior investimento inicial.
Para os promotores imobiliários, os modelos emergentes permitem explorar terrenos ou edifícios com usos alternativos e atrair novos tipos de financiamento, nomeadamente institucional. Contudo, exigem uma mudança de mentalidade: o lucro é gerado pela operação e não apenas pela venda imediata.
As autoridades públicas e municípios ganham instrumentos adicionais para promover uma oferta habitacional diversificada e mitigar a pressão sobre o arrendamento tradicional. No entanto, devem assegurar o equilíbrio entre inovação e regulação, evitando fenómenos de gentrificação ou exclusão social.
Os utilizadores e famílias beneficiam de maior diversidade e flexibilidade. Para alguns segmentos — jovens, expatriados, profissionais temporários —, estas soluções são mais adequadas do que o arrendamento tradicional. Já para famílias que procuram estabilidade e preços acessíveis, os novos modelos podem não ser a solução ideal e até contribuir para encarecer o mercado em certas zonas.
Principais desafios e barreiras
Os obstáculos à expansão destes modelos incluem a falta de enquadramento jurídico específico, a dificuldade de acesso a financiamento adaptado e a incerteza fiscal. A inexistência de uma tipologia clara no regime do arrendamento urbano ou no licenciamento urbanístico pode gerar insegurança para os investidores. Além disso, os custos de construção e operação são elevados, e a viabilidade depende de uma gestão eficiente e de ocupações altas e constantes.
Outro desafio relevante é o equilíbrio urbano: se uma parte significativa do stock residencial for direcionada para estes formatos mais rentáveis, pode agravar-se a escassez de habitação tradicional. Por isso, o papel do poder público e dos instrumentos de planeamento é essencial para garantir a coexistência equilibrada entre os vários modelos.
Apesar de estar numa fase inicial, o mercado português mostra sinais claros de crescimento nestes formatos. A entrada de investidores institucionais no setor residencial, a profissionalização da gestão imobiliária e as alterações demográficas e culturais indicam que o Build-to-Rent, o Flex-Living, o Co-living e o Senior Living ganharão espaço nos próximos anos.
A legislação começa a adaptar-se a estas novas realidades, mas ainda há caminho a percorrer. Será fundamental criar condições de estabilidade regulatória e fiscal que deem confiança aos investidores e ao mesmo tempo protejam os direitos dos residentes. O sucesso destes modelos dependerá da sua capacidade de oferecer soluções equilibradas entre rentabilidade, qualidade de vida e acessibilidade.
O setor imobiliário residencial está a atravessar uma transformação estrutural. Para além do arrendamento tradicional e do alojamento local, surgem modelos alternativos que refletem as novas dinâmicas sociais e económicas. O Build-to-Rent, o Flex-Living, o Co-living e o Senior Living representam respostas inovadoras às exigências de um mercado mais diversificado e urbano.
Contudo, estas soluções não devem ser vistas como substitutas, mas como complementares ao sistema habitacional. O desafio será equilibrar inovação, rentabilidade e coesão social, num quadro de estabilidade jurídica e fiscal. Portugal tem potencial para se afirmar como mercado de referência na Europa do Sul neste novo paradigma de “living”, desde que consiga conjugar a atratividade para o investimento com políticas públicas que garantam o direito à habitação e o desenvolvimento urbano sustentável.

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