Uma decisão de grande impacto fiscal: Tribunal Constitucional declara inconstitucional a presunção de o valor de venda ser o valor patrimonial, para efeitos de mais-valias

O que se passa?

No passado dia 28 de maio de 2025, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 348/2025, através do qual declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível(ou absoluta) do valor de realização na venda onerosa de imóveis.

 Para contextualizar, o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS tem sido interpretado no sentido de estabelecer uma presunção absoluta do valor de realização, quando o valor declarado da venda é inferior ao VPT, interpretação essa que agora foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Esta interpretação consagrava, na prática, uma presunção absoluta de que o Valor Patrimonial Tributário correspondia ao valor efetivo da transação, impedindo o contribuinte de apresentar prova em contrário, o que conduzia frequentemente a situações injustas.

Nesta medida, o Tribunal Constitucional considerou que esta presunção violava o princípio constitucional da capacidade contributiva e o principio da igualdade tributária, consagrado nos artigos 103.º, n.º 1, e 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, por levar à tributação de rendimentos que poderiam não ter sido efetivamente obtidos, trazendo assim uma maior justiça fiscal.

Ora, tal principio constitucional, como é o princípio da capacidade contributiva, pressupõe que os impostos incidam sobre rendimentos reais, valores efetivamente auferidos.

Ora, ao impedir o contribuinte de ilidir esta presunção legal, esta interpretação da norma acabava por criar situações de manifesta injustiça, aproximando-se de uma verdadeira ficção legal, em que se tributava um rendimento presumido, mas não efetivamente auferido.

No entanto, esta não é uma questão nova para os nosso tribunais uma vez que esta presunção inilidível já havia sido objeto de censura em três decisões do próprio Tribunal Constitucional, nomeadamente  em três arestos jurisprudenciais (Acórdãos n.ºs 211/2017, 488/2021 e 110/2024).

Por este motivo, o Ministério Público requereu a sua apreciação com força obrigatória geral, nos termos da fiscalização abstrata sucessiva prevista no artigo 281.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Quais são, então, as consequências práticas desta decisão?

Com esta declaração de inconstitucionalidade, o Estado/Autoridade Tributária e Aduaneira deixa de poder considerar automaticamente o Valor Patrimonial Tributário como sendo o valor de venda para efeitos de cálculo das mais-valias sujeitas a IRS nos casos em que o preço declarado no negócio seja inferior a esse valor.

Temos por certo que, para os cidadãos e investidores, esta decisão reforça a confiança num sistema tributário mais justo, onde a realidade económica prevalece sobre automatismos legais desajustados e desiguais.

Assim, na prática, esta decisão garante ao contribuinte o direito de provar o valor real do negócio quando este seja inferior ao VPT,  evitando pagar imposto sobre um ganho que, na realidade, não existiu.

Estamos certos que esta decisão pode ter impacto relevante não só nos processos e litígios fiscais pendentes ou ainda não decididos de forma definitiva, especialmente naqueles em que os contribuintes contestem liquidações de IRS com base nesta presunção absoluta.

Por fim, este acórdão representa uma importante afirmação do Estado de Direito fiscal e da proteção dos direitos dos contribuintes. Ao declarar inconstitucional esta interpretação normativa, o Tribunal garante que a presunção legal não pode operar de forma absoluta, devendo ser sempre possível ao contribuinte provar a realidade do negócio celebrado.

Esta decisão contribui assim para um sistema fiscal mais justo, proporcional e conforme aos princípios constitucionais que exigem que ninguém seja tributado para além da sua verdadeira capacidade económica.

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